O Auto-Pensante

Women's mind,
by Asky Klafke
O Auto-Pensante
          filosofia barata & amizades caras

20/08/2024

reflexões estrangeiras I

do Amor (em Lisboa, Portugal)


Um pouco mais de sol eu era brasa.
Um pouco mais de azul eu era além

~Mário de Sá-Carneiro in Dispersão


Os antigos filósofos gregos identificaram seis formas de amor: o amor familiar (storge), o amor de amizade ou platónico (philia), o amor romântico (eros), o amor-próprio (philautia), o amor de hóspede (xenia) e o amor divino ou incondicional (agape). Platão, em particular, explorou o conceito de amor nos seus diálogos, nomeadamente em O Simpósio, onde distingue o amor físico e um amor mais elevado, espiritual, que conduz à contemplação divina. Mas para Sócrates, o amor transcende essas seis formas, especialmente no que diz respeito à sua natureza e propósito.

Quando falamos de amor apenas, sem classificá-lo, precisamos de contexto para identificá-lo, e assim não estarmos sujeito a interpretações errôneas. Ao mesmo tempo que o amor de um filho pela mãe é diferente do amor do mesmo filho pela namorada, pelo irmão, pelo vizinho e pelo colega de classe, e pelo mendigo do centro da cidade, verdadeiramente não deveria ser diferente.

O que muito se confunde, na verdade, é amor com relacionamento. Amor verdadeiro é livre de associações, dependências e condições; é livre do sentido de ego, do "eu" individualizado. O Amor verdadeiro surge quando há uma dissolução do ego. E quando não há ego, o “eu” individualizado, não pode haver relacionamento, já que não há o que se relacionar. O eu sobra é o Amor!
 
O Amor está além do ego, além do eu, portanto é único e igual, incondicional, não afetado pelas preferências do ego, do eu individualizado. Uma vez estabelecido o Amor incondicional, e portanto Universal, aí ele pode ser aplicado de acordo com os diferentes relacionamentos do eu individualizado. Dessa maneira, um filho demonstra seu amor incondicional pela mãe de acordo com o relacionamento mão-filho; o mesmo indivíduo vai demonstrar seu amor incondicional pela namorada através do relacionamento namorado-namorada. O mesmo se aplica aos outros relacionamentos, em sua expressão do Amor Universal.

Pode ser difícil para algumas pessoas afastar-se do ego. O ego é o que nos diferencia, por assim dizer. É o que nos dá personalidade, caráter e presença no mundo. Como, então, separar-nos do que somos?

É porque acreditamos ser esse ego, esse corpo. Se partirmos de uma perspectiva menos pessoal e mais universal, se dermos um passo para trás - um passo metafísico - teremos uma visão mais privilegiada, que poderá, com um pouco de calma, paciência e boa vontade, nos ajudar a entender esse conceito que a princípio parece complexo. Pense nisso:

Um corpo em repouso permanece em repouso enquanto um corpo em movimento continua em movimento, a menos que uma força externa atue sobre ele (primeira lei de Newton sobre o movimento). Como exemplo, podemos dizer que podemos observar nosso corpo em movimento, de uma forma precisa. Para tal, devemos necessariamente não estar em movimento. Assim como o observador não é afetado pelo que observa, podemos dizer que não somos o que observamos; ou seja, para podermos observar-nos em constante mudança, não somos esse corpo, não somos nossos pensamentos, nem nossas emoções, já que tudo isso está em constante movimento. Assim como a Natureza propriamente dita, ou o dito ‘mundo manifestado’,  é observado, a pergunta é:
Quem observa?
Algo imutável, sem dúvida, algo único, apesar de toda a diversidade da experiência. Como não somos aquilo que observamos, já que percebemos movimento, este observador - a consciência que percebe o corpo - seria o "verdadeiro Eu", que deve necessariamente estar para além de todos os fenômenos observáveis, incluindo a mente e o pensamento.

Uma vez afastados do que nos caracteriza individualmente - o corpo, e com ele o ego - podemos avançar para tentar entender como, deste ponto de vista distanciado, podemos evoluir para a visão de que tal observador - o que chamamos de verdadeiro Eu - na verdade é um e único; o mesmo para mim como para você e para todos os outros seres vivos, não só humanos!

Seria como dizer, em termos religiosos, que é uma “alma única”, que aliás pode ser dito, se houver um preferencial religioso, embora eu use “verdadeiro Eu”, que para mim tem uma conotação mais filosófica.

O objetivo desta digressão filosófica é tentar nos posicionar antes de nós mesmos, e com olhos neutros, como se fixos em nossa própria nuca, observarmo-nos. Primeiro como se fossemos um outro além do nosso corpo, com os olhos do verdadeiro Eu; e depois como sendo únicos. Viemos todos da mesma fonte, somos todos frutos da mesma árvore.

Voltando para o Amor: uma vez que identificamos o observador, podemos tentar estabelecer como seria o Amor observado a partir deste observador - tranquilo, imóvel, inabalável.

Este Amor com "A" maiúsculo é altruísta e sem condições. É um “Amor por Amor”, sem esperar nada em troca, que não depende de ganhos materiais ou emocionais, que não depende de reciprocidade, tampouco aceitação. É como uma lei, a Lei Fundamental da Vida, que se instala no coração e toma todo o seu espaço! Expulsa o egoísmo e todo movimento do ego, todo sentimento direcionado a si mesmo, e prioriza o bem-estar dos outros acima do próprio.
“Todo o amor é expansão, todo o egoísmo é contração. O amor é, portanto, a única lei da vida”, já dizia Svami Vivekananda.
E essa dominação do Amor acontece de maneira natural e voluntária, afinal o Amor não pode existir sem liberdade. Não é possível Amor em condições de servidão ou escravatura, pois exige a liberdade de dar e receber sem constrangimento ou coação.

Amor como uma força poderosa e transformadora que é fundamental para o crescimento e a realização espiritual. E note que neste caso, espiritualidade não tem nada a ver com religião.