O Auto-Pensante

Women's mind,
by Asky Klafke
O Auto-Pensante
          filosofia barata & amizades caras

19/10/2024

reflexões estrangeiras II

Estou acostumado a alimentar-me
de nuvens e distância

~Eugenio Montale


Esta semana no trabalho, em uma das pausas para o cafezinho, um dos colegas romenos me perguntou: "Por quê é que você está sempre feliz? Me diga... eu sou mais jovem que você e não sou assim, sempre feliz!", e eu, rindo, respondi, "Deve ser o café!". Ambos rimos, pois sei que ele não toma café!

Outro colega, alemão e mais velho, reclamava de certos aspectos desafiadores do projeto, e me perguntou se eu conhecia uma expressão que dizia "ever decreasing circles", que ao pé da letra significa "círculos cada vez menores", mas a idéia é de um ciclo vicioso, em uma espiral descendente, dando a idéia de que as coisas não estão bem, e só tendem a piorar! Respondi que sim, que entendia o que a expressão queria dizer, mas que particularmente eu prefiria aquela outra que diz "o que quer que seja que você tenha que fazer, faça com sua melhor boa vontade, pois se você tem que fazer, provavelmente não há outra opção!"

Apesar das diferenças culturais entre brasileiros, irlandeses, alemães e romenos serem grandes, acabamos mais ou menos dentro de um certo limiar comum. Mas os italianos...

Esta semana aprendi mais uma italianice - e quando digo italianice, não há nenhum pejorativismo envolvido, que fique claro... Minha mãe e minha avó que o digam, e todos os meus antepassados italianos, mas para quem não foi criado na Itália, é impossível não reconhecer a limitação desssa italianices. A mais nova que aprendi, além das clássicas "não se coloca queijo ralado no macarrão com frutos do mar" e "capuccino só até as 10 horas da manhã", a nova é que os italianos não comem macarrão com frango!

Esquisitices gastronômicas a parte, há também a ilusão de que tudo que é italiano é melhor. E como preferências pessoais não é coisa a ser discutida (mas por vezes lamentada), nem vou mencionar a pizza brasileira, o vinho francês, o café colombiano, a cerveja belga, o presunto espanhol, a carne irlandesa...

Mas tudo bem. Os colegas italianos do escritório são divertidos... mesmo quando xenófobos, chauvinistas, grosseiros e mal-educados! Mas como aprende-se algo novo todos os dias, desta vez foi em um provérbio africano que me inspirei:
“Se você vai disparar a flecha da verdade, primeiro mergulhe-a no mel.”
Disposto a cuidar da organização do escritório, e arrumar alguns cabos de rede que estavam há muito pelo caminho, comecei a puxá-los daqui e dali, e eventualmente tive que me meter debaixo das mesas dos colegas, e um collega soltou essa pérola: "Fanculo, você está realmente testando a minha capacidade de sorrir hoje!", e eu, "não... eu estou testando a sua capacidade de colaborar! Afinal de contas, a sua vida também ficará mais agradável com essa arrumação!"

Pela cara dele, e pelo fato dele ter me oferecido sua tesoura quando me viu cortando o durex com a caneta, me diz que ele entendeu o recado!

20/08/2024

reflexões estrangeiras I

do Amor (em Lisboa, Portugal)


Um pouco mais de sol eu era brasa.
Um pouco mais de azul eu era além

~Mário de Sá-Carneiro in Dispersão


Os antigos filósofos gregos identificaram seis formas de amor: o amor familiar (storge), o amor de amizade ou platónico (philia), o amor romântico (eros), o amor-próprio (philautia), o amor de hóspede (xenia) e o amor divino ou incondicional (agape). Platão, em particular, explorou o conceito de amor nos seus diálogos, nomeadamente em O Simpósio, onde distingue o amor físico e um amor mais elevado, espiritual, que conduz à contemplação divina. Mas para Sócrates, o amor transcende essas seis formas, especialmente no que diz respeito à sua natureza e propósito.

Quando falamos de amor apenas, sem classificá-lo, precisamos de contexto para identificá-lo, e assim não estarmos sujeito a interpretações errôneas. Ao mesmo tempo que o amor de um filho pela mãe é diferente do amor do mesmo filho pela namorada, pelo irmão, pelo vizinho e pelo colega de classe, e pelo mendigo do centro da cidade, verdadeiramente não deveria ser diferente.

O que muito se confunde, na verdade, é amor com relacionamento. Amor verdadeiro é livre de associações, dependências e condições; é livre do sentido de ego, do "eu" individualizado. O Amor verdadeiro surge quando há uma dissolução do ego. E quando não há ego, o “eu” individualizado, não pode haver relacionamento, já que não há o que se relacionar. O eu sobra é o Amor!
 
O Amor está além do ego, além do eu, portanto é único e igual, incondicional, não afetado pelas preferências do ego, do eu individualizado. Uma vez estabelecido o Amor incondicional, e portanto Universal, aí ele pode ser aplicado de acordo com os diferentes relacionamentos do eu individualizado. Dessa maneira, um filho demonstra seu amor incondicional pela mãe de acordo com o relacionamento mão-filho; o mesmo indivíduo vai demonstrar seu amor incondicional pela namorada através do relacionamento namorado-namorada. O mesmo se aplica aos outros relacionamentos, em sua expressão do Amor Universal.

Pode ser difícil para algumas pessoas afastar-se do ego. O ego é o que nos diferencia, por assim dizer. É o que nos dá personalidade, caráter e presença no mundo. Como, então, separar-nos do que somos?

É porque acreditamos ser esse ego, esse corpo. Se partirmos de uma perspectiva menos pessoal e mais universal, se dermos um passo para trás - um passo metafísico - teremos uma visão mais privilegiada, que poderá, com um pouco de calma, paciência e boa vontade, nos ajudar a entender esse conceito que a princípio parece complexo. Pense nisso:

Um corpo em repouso permanece em repouso enquanto um corpo em movimento continua em movimento, a menos que uma força externa atue sobre ele (primeira lei de Newton sobre o movimento). Como exemplo, podemos dizer que podemos observar nosso corpo em movimento, de uma forma precisa. Para tal, devemos necessariamente não estar em movimento. Assim como o observador não é afetado pelo que observa, podemos dizer que não somos o que observamos; ou seja, para podermos observar-nos em constante mudança, não somos esse corpo, não somos nossos pensamentos, nem nossas emoções, já que tudo isso está em constante movimento. Assim como a Natureza propriamente dita, ou o dito ‘mundo manifestado’,  é observado, a pergunta é:
Quem observa?
Algo imutável, sem dúvida, algo único, apesar de toda a diversidade da experiência. Como não somos aquilo que observamos, já que percebemos movimento, este observador - a consciência que percebe o corpo - seria o "verdadeiro Eu", que deve necessariamente estar para além de todos os fenômenos observáveis, incluindo a mente e o pensamento.

Uma vez afastados do que nos caracteriza individualmente - o corpo, e com ele o ego - podemos avançar para tentar entender como, deste ponto de vista distanciado, podemos evoluir para a visão de que tal observador - o que chamamos de verdadeiro Eu - na verdade é um e único; o mesmo para mim como para você e para todos os outros seres vivos, não só humanos!

Seria como dizer, em termos religiosos, que é uma “alma única”, que aliás pode ser dito, se houver um preferencial religioso, embora eu use “verdadeiro Eu”, que para mim tem uma conotação mais filosófica.

O objetivo desta digressão filosófica é tentar nos posicionar antes de nós mesmos, e com olhos neutros, como se fixos em nossa própria nuca, observarmo-nos. Primeiro como se fossemos um outro além do nosso corpo, com os olhos do verdadeiro Eu; e depois como sendo únicos. Viemos todos da mesma fonte, somos todos frutos da mesma árvore.

Voltando para o Amor: uma vez que identificamos o observador, podemos tentar estabelecer como seria o Amor observado a partir deste observador - tranquilo, imóvel, inabalável.

Este Amor com "A" maiúsculo é altruísta e sem condições. É um “Amor por Amor”, sem esperar nada em troca, que não depende de ganhos materiais ou emocionais, que não depende de reciprocidade, tampouco aceitação. É como uma lei, a Lei Fundamental da Vida, que se instala no coração e toma todo o seu espaço! Expulsa o egoísmo e todo movimento do ego, todo sentimento direcionado a si mesmo, e prioriza o bem-estar dos outros acima do próprio.
“Todo o amor é expansão, todo o egoísmo é contração. O amor é, portanto, a única lei da vida”, já dizia Svami Vivekananda.
E essa dominação do Amor acontece de maneira natural e voluntária, afinal o Amor não pode existir sem liberdade. Não é possível Amor em condições de servidão ou escravatura, pois exige a liberdade de dar e receber sem constrangimento ou coação.

Amor como uma força poderosa e transformadora que é fundamental para o crescimento e a realização espiritual. E note que neste caso, espiritualidade não tem nada a ver com religião.